Nesta nova oportunidade, vou tratar do que vem a ser a centralização na educação do Brasil e do mundo. Havia comentado no artigo anterior que acreditava ser um problema no sistema de ensino global esta maneira de formar centralizadamente o chamado “cidadão global e sem fronteiras”.
Nos meus estudos, verifiquei que existem alguns paradigmas na área educacional que não deveriam ser considerados como tais porque nunca foram comprovados ou porque são contra a natureza humana. Comentarei alguns deles que considero mais prementes.
Por exemplo, muitos acreditam que a centralização é boa para todos, fazendo com que os estudantes recebam sempre um conjunto de ensinamentos único que os farão iguais entre si. Entretanto, quem pensa assim, não faz a menor ideia do que seja uma sala de aula no Brasil. A impossibilidade de levar um conteúdo único para jovens do nordeste, sul ou norte é simplesmente impossível por deficiências de corpo docente e recursos físicos. Ao colocar mais de um aluno em uma sala de aula já se cria um problema na velocidade de apreensão de cada um, desta feita ao colocar uma turma toda reunida só aumentará as diferenças. Imaginem no nível estadual ou internacional. Ao realizar tal tarefa, algo fundamental na educação estará sendo abafada, que é a cultura popular e local, em prol de uma cultura mundial.
Outro exemplo é a crença de que a igualdade, tão propalada e buscada para o ser humano, pode ser um objetivo educacional. Ora, uma vez que todos nós somos “indivíduos”, por isso somos diferentes, este paradigma é obviamente contra a natureza. Da mesma maneira que o currículo único é absurdo em termos de humanidade, da mesma forma a busca da igualdade também o é. Já comentei em uma audiência pública na Câmara dos Deputados que o Brasil não tem um prêmio Nobel ainda e valores individuais são “roubados” pelo exterior. Também acontece algo semelhante nos países desenvolvidos, todos saem “à caça” de talentos e ao localizá-los fazem propostas irrecusáveis. Há uma busca por “diferentes” não pelos “iguais”. Ainda sobre igualdade, os verdadeiros educadores sabem muito bem que ao definir parâmetros o nível é achatado naturalmente. Ao estabelecer referências comete-se injustiças com os estudantes mais velozes e com os mais lentos, fazendo com que se busque atender os mais necessitados, reduzindo os referenciais, e desprestigiando os mais rápidos que serão abandonados em um sistema que lhes é insatisfatório, tornando enfadonho.
Outra ideia paradigmática é a de que investir em educação é derramar grandes somas de recursos financeiros para melhorar o sistema, quando nunca foi comprovado isto no mundo. Esta ideia veio com os economistas que introduziram o conceito de “Capital Humano” no meio educacional. Ao realizar a “economização da educação” estes economistas educacionais iniciaram um processo de estudo para transformar os sistemas educacionais do mundo em linhas de montagem. Ao realizar esta transformação, a linha de montagem sempre obedece a um parâmetro que garante a eficiência do processo, acarretando maior lucro. A área de ensino está tomada por pensamentos econômicos e as políticas educacionais visam tão somente este desenvolvimento objetivo que as escolas devem ter.
E este viés econômico na educação leva a outro paradigma que é a da avaliação. Em minha passagem pela Secretaria Executiva do Ministério da Educação, como Diretor de Programas, conheci muitas pessoas que acreditavam verdadeiramente que sem uma avaliação dos alunos não poder-se-ia verificar o rendimento do ensino. Pude verificar “in loco” que temos poucos educadores no trabalho administrativo do ministério e, com isso, praticamente ninguém sabe o que significa “avaliação do ensino”. Também se observa que a economia influenciou o entendimento do assunto. O serviço público, ao colocar dinheiro em um setor, precisa comprovar que ele trouxe retorno público ou o recurso público foi bem gasto, sob pena de haver não aprovação de contas. Foi assim que se criou a ideia de medir a eficiência do ensino aplicando provas e testes, buscando comparação entre escolas, Municípios, Estados e até países, justificando o emprego de dinheiro público.
Agora, gostaria de passar a fazer um raciocínio prático apenas com estas quatro crenças que existem na educação nacional e internacional.
Como já expliquei no outro artigo, há uma diferença imensa entre Educação e Ensino, fica muito latente que um currículo único, a igualdade, o investimento e a avaliação, formam um conjunto indissociável que é impossível desmembrar e está totalmente ligado ao ensino apenas. Os economistas querem um trabalhador mais eficiente, um robô que trabalhe sem errar e produza sempre mais, para isso cria um currículo mínimo e único para todos os trabalhadores, igualando-os e transformando-os em “capital”. Para garantir isto, investe-se recurso financeiros e avaliação, ensinando-os a serem cidadãos aptos para exercerem as funções econômicas que estes economistas planejaram.
Verificamos, nos Estados Unidos, que investir no ensino não trouxe resultados esperados e lá se comprovou que a avaliação não produziu melhoria. O Japão mostrou que ao se centralizar é retirada toda a criatividade. A Finlândia sem ter um currículo único é líder mundial na Educação. Poderia citar outros exemplos nestas diversas áreas.
Mas o que será que está acontecendo com todos? Não querem ou não podem observar estes dados claros? Ou já estão afetados por este sistema deficiente de educação que não consegue ter capacidade de raciocínio tão necessário ao ser humano. Talvez não entendam mais o ser humano tem uma dignidade única, mas é um “indivíduo” capaz de se autogovernar e de buscar o desenvolvimento máximo de seu potencial intelectual. Para encerrar vou apresentar algumas ideias de um grande educador brasileiro que fez comentários sobre a centralização no Brasil:
O desenvolvimento cultural da humanidade é uma lenta marcha da unitariedade para a diversidade, processo que somente nos últimos dois mil anos, isto é, em nossa era, conquista uma relativa aceleração graças ao desenvolvimento da inteligência especulativa do homem e, em consequência, do seu pensamento literário e científico. Até então as culturas não tinham como não ser altamente inconscientes e, por isso mesmo, muito mais uniformes e estáticas. A partir primeiro dos judeus e depois dos gregos, é que podemos falar de culturas conscientes e de ímpeto dinâmico de diversificação e progresso que essa conscientização das culturas pode promover e promove, sem perda de sua unidade orgânica.
A educação por este aspecto, é uma unidade para se formar “uma cultura em processo de diversificação ou florescimento”. Não se pode esquecer que a segregação, isolamento, centralização, homogeneidade e imobilidade fazem com que uma cultura se atrofie e morra. Isto leva a “uma certa petrificação” sem qualquer enriquecimento cultural. E continua Anísio Teixeira:
O erro provém, sobretudo, da ideia de que uniformidade, unitariedade, linearidade é um bem, quando, em cultura, é indicação de primitivismo, de selvagerismo, de barbarismo, de não desenvolvimento, ou de ausência de crescimento. Toda cultura viva tende a se diversificar, a variar, e o entrechoque das variedades é que lhe permite o crescimento e a saúde, inclusive com a revitalização das formas anteriores, em perigo de extinção, e que, pelo desenvolvimento, se integram no novo estágio, renovadas e reorganizadas. [1]
[1] TEIXEIRA, ANÍSIO. A Educação e a Crise Brasileira, Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 2005, p. 66-68.