O tom do discurso de posse de Donald Trump na Casa Branca no dia 20 de janeiro de 2025 é o de uma vingança e de um desafio. Vingança contra aqueles adversários, mesmo internos ao seu partido, que o declararam acabado após o assalto ao Capitólio em 6 de fevereiro de 2020. Não é por acaso que um dos primeiros atos de governo assinados por ele foi a graça para os revoltosos de quatro anos atrás. Mas o seu discurso é também um desafio para todos aqueles, no Ocidente e no Oriente, que anunciaram o «declínio do Império Americano». Na Itália, por exemplo, a crise epocal dos Estados Unidos foi recentemente descrita pelo sociólogo francês Emmanuel Todd em seu livro A derrota do Ocidente (Fazi Editore, 2024) e pelo jornalista americano Alan Friedmann em O fim do Império Americano (The Theseus Ship, 2024), onde um capítulo é dedicado a “Trump e outros canalhas” (pp. 169-194); mas a convicção do irreversível declínio americano é sobretudo a base das ambições geopolíticas de Vladimir Putin e de Xi Jinping, que em 21 de janeiro se mostraram em vídeo ao mundo para confirmar a sua aliança anti-Americana.
O fio condutor do discurso do novo presidente é o da golden age, “a idade de ouro” aberta para os Estados Unidos a partir de 20 de janeiro. O seu discurso inaugural foi aberto com esta declaração: «A idade de ouro da América começa agora. A partir de hoje, nosso País florescerá e será novamente respeitado em todo o mundo». Palavras semelhantes fecharam o seu discurso, após vinte minutos: «O futuro é nosso e nossa era de ouro está apenas começando. Deus abençoe a América».
«Fui salvo por Deus para tornar a América grande novamente», também exclamou o presidente Trump, renovando a confiança em sua missão e no «destino manifesto da América». O termo «destino manifesto» usado por Trump foi cunhado em 1845 pelo jornalista John L. O’ Sullivan para justificar a anexação da República do Texas, alegando que era o «destino manifesto da América de difundir-se pelo continente». Com isso, os defensores da democracia de jacksoniana motivaram, em meados do século XIX, a expansão dos Estados Unidos em direção às Grandes Planícies e à West Coast.
Trump adotou a ideia de uma “missão” americana. «Os Americanos – disse – percorreram milhares de quilômetros através de uma terra acidentada e selvagem. Atravessaram desertos, escalaram montanhas, desafiaram perigos indescritíveis, conquistaram o West, puseram fim à escravidão, salvaram milhões de pessoas da tirania, levantaram bilhões de pessoas da pobreza, aproveitaram a eletricidade, dividiram o átomo, lançaram a humanidade nos céus e colocaram o universo do conhecimento humano na palma da mão humana. Se trabalharmos juntos, não há nada que não possamos fazer e nenhum sonho que não possamos realizar. Muitos pensaram que me era impossível encenar um retorno político tão histórico. Mas como vocês podem ver hoje, aqui estou, o povo americano falou. Minha presença diante de vocês é a prova de que nunca se deve acreditar que algo é impossível de fazer. Na América, o impossível é o que sabemos fazer melhor». E acrescentou: «Persigamos o nosso destino manifesto em direção às estrelas, lançando astronautas americanos até as estrelas para plantar a bandeira dos Estados Unidos no planeta Marte».
Quando Trump pronunciou essas palavras, Elon Musk não refreou seu júbilo ao ver proclamado diante do mundo inteiro seu plano visionário de povoar as estrelas do universo. Poucos se dão conta dos perigos inerentes à utopia transhumanista de Musk, a quem Trump confiou o departamento de eficiência do governo. A imprensa progressista mundial tem sido feroz em críticas às palavras e aos primeiros gestos de absoluto bom sendo de Trump: a luta contra a imigração selvagem, a recusa do Green New Deal e ideologia woke. Em uma palavra, aquilo que Trump definiu como «a revolução do bom senso». O auge do bom senso de Trump ressoou com límpida clareza quando disse: «A partir de hoje, a política oficial do governo dos Estados Unidos exige que haja apenas dois gêneros, masculino e feminino».
Quanto à política interna, Trump apresentou um programa detalhado, seguido no dia seguinte por uma enxurrada de ordens executivas. Quanto à política externa, o neo-presidente não nomeou amigos ou inimigos do seu país, senão que se limitou a afirmar que «durante todos os dias da sua administração», simplesmente colocará «a América em primeiro lugar». «A América – disse Trump – em breve será maior, mais forte e muito mais excepcional do que nunca». Esta estratégia não é extravagante, mas situa Trump dentro de uma tradição política e cultural, definida como “excepcionalismo”, baseada na visão idealizada da América como um país “excepcional”, graças à sua evolução histórica e às suas particulares instituições políticas e religiosas (Seymour Martin Lipset. Excepcionalismo Americano: A Espada de Fio Duplo, W. W. Norton & Co., Inc. 1996). Entre os precursores declarados da posição Trumpiana, que entrelaça “excepcionalismo” e “destino manifesto”, estão Andrew Jackson, o sétimo presidente americano (1729-1837), e William McKinley (1843 – 1901), o 25º presidente, no cargo de 9 de Março de 1897 até seu assassinato em 14 de setembro de 1901. Trump, não por acaso, anunciou que vai reatribuir o nome de McKinley à montanha mais alta da América do Norte, renomeada em 2015 por Barack Obama com o nome indígena de Denali.
McKinley deu o golpe de misericórdia ao que restava do antigo império espanhol, conquistando Cuba e as Filipinas. Seu sucessor republicano, Theodore Roosevelt (1901-1909), agiu na mesma linha, intervindo em Porto Rico e Panamá, reivindicando neste a soberania sobre o canal, que Jimmy Carter depois cedeu à República do Panamá e agora é amplamente gerido por empresas chinesas. Trump reivindica o canal como americano, sem que isso signifique o uso da força militar. «Como em 2017 – explicou – teremos construído novamente o exército mais forte que o mundo já viu. Mediremos o nosso sucesso não só com base nas batalhas que venceremos, mas também com base nas guerras que daremos fim e, talvez a coisa mais importante, nas guerras nas quais não entraremos mais. Meu legado mais orgulhoso será o de um pacificador e unificador, é o que eu quero ser, um pacificador e um unificador».
O discurso de Trump expressa o mesmo sentimento de vigor, de raiva e de orgulho com que o outrora o candidato presidencial se levantou do chão, depois de ser ferido em 14 de julho de 2024, mas sobretudo intercala o desejo de retornar à ordem e ao senso comum da maioria dos americanos. Hoje, a euforia daqueles que votaram em Trump é compreensível após sua vitória. Mas existe uma outra América que detesta os valores propostos pelo novo presidente. Sob este aspecto, uma nova guerra interna nos Estados Unidos está iniciada, com possibilidade explodir violentamente. Por outro lado “o eixo do mal” composto por China, Rússia e Irã não está dissolvido: só encontrou à sua frente um inimigo mais temível. O que fará a débil Europa, representada em Washington apenas por Giorgia Meloni, ao enfrentar um inevitável duelo?
Os Estados Unidos podem não precisar da Europa, mas certamente a Europa precisa da América, juntamente com a qual forma o tão detestado Ocidente, que hoje enfrenta um incerto e não “manifesto” destino. Os próximos quatro anos serão acompanhados pela doce e tranquilizadora melodia America the Beautiful ou pelas notas sombrias de The Force of Destiny? Seja como for, não erraremos se confirmarmos naquela “Virgem dos Anjos” que na famosa obra de Verdi é invocada como a infalível protetora dos homens, a única que pode mudar nosso destino.
Fonte: Roberto de Mattei