Conteúdo do Artigo

Últimos Artigos

Frei Gilson, que interessante!
A lei do mais forte: God first!
Introdução à Metafísica (2025)
A doença do Papa Francisco e a devoção ao papado
Dom Bosco caiu na folia? Derrubando mais uma lorota de "O Catequista"

Categorias

Colunas

Augusto Pola Júnior

Blog do Augusto

Martelo dos Influencers

Em breve

Padre Javier Ravasi

Que no te la cuenten

Frei Gilson, que interessante!

Frei Gilson numa formação sobre o silêncio

Relata-se que Frei Gilson reuniu 1 milhão e 400 pessoas no terço de madrugada, às 4 da manhã, na quarta-feira de cinzas. Diante de tal feito e repercussão, muito tem se falado a favor e contra o frei milionário[1]. Aqui nesse artigo, quero primeiro fazer ressalvas quanto a este interessante fenômeno e depois fazer algumas considerações que buscam explicar o sucesso numérico.

A primeira ressalva é que, diante de fenômenos grandes, precisamos ficar atentos se é realmente popular, ainda que nichado, ou se é um fenômeno de massa. Esta distinção é importante, pois fenômenos de massa são problemáticos, mas não cabe adentrar aqui neste artigo no tema da psicologia das massas. O fenômeno popular diz respeito à cultura, a hábitos sociais; o de massa, a comoções efêmeras. Nisso tudo, o que eu acho curioso foi o entusiasmo com que muitos católicos receberam a notícia milionária. De repente, um terço ao vivo, virtual (esse detalhe não é irrelevante), com milhões de pessoas conectadas, é recebido com não desconfiança prudente, mas com animação. Nesta empolgação, parece que se esquece que quantidade não é sinônimo de qualidade.

Nosso catolicismo brasileiro está me lembrando as mulheres carentes, que, quando recebem carinho de alguém do sexo oposto, já se apaixonam, sem olhar mais profundamente à alma. Ou uma mulher com problemas de “autoestima” que, diante de uma demonstração de afeto do parceiro cafajeste, logo se ilude crendo-se amada. A primeira analogia diz respeito às estatísticas religiosas, que ano a ano decaem de um lado enquanto o protestantismo cresce do outro; a segunda já diz respeito à qualidade do nosso clero, que está tão aquém, que quando aparece algo razoável, um religioso católico rezando e ensinando coisas católicas, já é motivo de comemoração. Fim da primeira ressalva.

Início da segunda ressalva.

Durante o carnaval, estávamos o Instituto Santo Atanásio gravando o curso sobre o Filotéia de São Francisco de Sales e em determinado momento, lemos o seguinte a partir do bispo de Genebra:

Diversas são as regras que devem seguir as pessoas da sociedade, os operários e os plebeus, a mulher casada, a solteira e a viúva. A prática da devoção tem que atender a nossa saúde, as nossas ocupações e deveres particulares. Na verdade, Filotéia, seria porventura louvável se um bispo fosse viver tão solitário como um cartuxo? Se pessoas casadas pensassem tão pouco em ajuntar para si um pecúlio, como os capuchinhos? Se um operário frequentasse tanto a igreja como um religioso o coro? Se um religioso se entregasse tanto a obras de caridade como um bispo? Não seria ridícula uma tal devoção, extravagante e insuportável? Entretanto, é o que se nota muitas vezes, e o mundo, que não distingue nem quer distinguir a devoção verdadeira da imprudência daqueles que a praticam desse modo excêntrico, censura e vitupera a devoção, sem nenhuma razão justa e real. Não, Filotéia, a verdadeira devoção nada destrói; ao contrário, tudo aperfeiçoa. Por isso, caso uma devoção impeça os legítimos deveres da vocação, isso mesmo denota que não é uma devoção verdadeira (Filotéia, I, c. III).

Meu comentário foi dizer que eu prefiro acreditar que as milhares (o milhão ainda não tinha acontecido) de pessoas que acordam de madrugada para rezar o terço com Frei Gilson e afins não precisam acordar cedo ou não prejudicam suas tarefas por causa da interrupção do sono.

Com efeito, São Francisco de Sales assinala-nos um critério de discernimento tanto útil quanto importante: se a devoção atrapalha meus deveres de estado, não se trata de uma devoção saudável, devendo então ser revista. Longe de nós dizer que acordar de madrugada para rezar o terço seja, em si, algo ruim, mas, neste caso, não sendo nós religiosos, mas leigos com nossos compromissos e rotinas, devemos prestar atenção às nossas circunstâncias. Não podemos praticar a devoção, que em si é boa, de maneira desordenada, ou seja, de maneira que prejudique nossos deveres.

Claro que não sou diretor espiritual de ninguém e, na prática, cada um faz o que quer. Mas que não se perca de vista que estou simplesmente seguindo a São Francisco de Sales. Fim da segunda ressalva.

Seja como for, o fato é que milhões de pessoas se conectaram a Frei Gilson para rezar o terço de madrugada. Seria até interessante que houvesse uma pesquisa para descobrir o perfil das pessoas que participam do terço de madrugada junto com uma investigação sobre a qualidade da fé de tais pessoas (frequentação da missa, prática de confissão, perguntas morais, etc.), no estilo que os americanos gostam de fazer. Enquanto tal pesquisa não vem (e quem sabe nunca venha, alô Agenor Brighenti![2]), vamos agora nos arriscar a fazer alguns apontamentos para tentar entender o porquê de tal sucesso, no mínimo, numérico.

A primeira coisa que observamos de Frei Gilson é que ele, religioso, usa hábito de religioso! Em outras palavras, Frei Gilson não faz cosplay de leigo ao modo da pastoralidade moderna, a qual defende, contra o bom senso e a intuição mais básica, que, para o sacerdote se aproximar do leigo, ele deve fantasiar-se de leigo. É uma espécie de carnaval pastoral. Ao contrário disto, Frei Gilson se veste como um sacerdote religioso propriamente deve se vestir.

A segunda coisa que pude observar é que a condução do terço é sóbria! Lá está Frei Gilson com outro frei, de frente ao Santíssimo, em espírito de piedade e reverência, rezando ao modo de silêncio, ou seja, de modo a favorecer a meditação dos mistérios.

A terceira coisa que pude observar é, vendo uma formação sua a respeito do silêncio a partir da obra do Cardeal Sarah, é que o local em que ele grava tem um certo aspecto barroco. Além disso, fala e explica sem afetação, de maneira autêntica; nem sequer musiquinha de fundo, aquele violãozinho maroto hipnotizante, ele coloca. (A técnica de tocar um violãozinho enquanto alguém faz uma pregação permite que o pregador, apesar das besteiras que fale, soe profundo, quando na verdade é uma profunda besteira o que se está dizendo. Já presenciei esse tipo de tragédia evangelizadora). Sim, a voz de Frei Gilson ressoa bondade e serenidade, mas tenho a impressão de que é fruto de sua personalidade, fruto da ascese da vida religiosa, e não aquelas afetações mascaradas que se costuma ver por aí (há quem se deixa seduzir, nisso sigo também a São Francisco de Sales, que ensina que devemos falar de maneira natural e sem afetação, cf. Filotéia, III, c. XXIV). Ademais, vi sua formação sobre o silêncio com grande interesse, pois também quero abordar essa obra futuramente no Encontros dos Homens. Frei Gilson é um ótimo pregador e professor[3].

Juntemos essas observações: 1) É religioso e usa hábito religioso; 2) Reza com sobriedade e compenetração; 3) Faz formação ortodoxa, sem afetação, com estética à la barroco.

Olhando por cima, poderíamos confundir Frei Gilson com um religioso tradicional! 

O problema é que seu background carismático também é demasiadamente conhecido, de modo que, não, Frei Gilson não é da estirpe dos tradicionalistas. Contudo, parece-me deveras persuasivo notar que seus elementos tradicionais estão atraindo cifras milionárias. Quem diria que associar o catolicismo, seja esteticamente, seja comportamentalmente, seja doutrinalmente, ao recolhimento, à seriedade, à sabedoria prática e especulativa, iria promover conversões!

E aqui chegamos a algo curioso. Como pode alguém que se porta tão sobriamente na oração de madrugada, na pregação, na formação, que tem bom senso estético, que está ensinando muito bem sobre a importância do silêncio, fazer missas barulhentas, ao gosto do carismatismo, sendo que a missa é muito mais importante e solene que um terço a poucas horas de o galo cantar?

É intrigante. Não tenho resposta para isso. O que posso dizer é que estamos imersos em vários tipos de crises. Um ser humano de carne e osso carrega consigo suas contradições. Não, a contradição não é bom elemento, cabendo a cada um de nós extirpá-la, na medida do possível, de nossas vidas, a fim de obter cada vez mais coerência. Entretanto, não é tão simples, nem tão fácil. Não raro, somos hábeis em notar as contradições alheias e cegos às nossas próprias (cf. Fiilotéia, III, c. XXXVI). E se olharmos ao nosso entorno, nem a crise da Igreja, nem a crise cultural, nem a crise política, nem a crise familiar, nem a crise institucional favorecem o combate às contradições, antes o contrário, nos cegam.

Frei Gilson tem plena consciência – pelo menos assim explicou – que o silêncio interior diz respeito à meditação e às faculdades superiores do homem; e que o barulho, ao contrário, agita as inferiores, nossas paixões, e dificulta o labor meditativo e contemplativo. Então por que, na missa, é adepto da “musicalidade pop” e do estilo Worship?

Este tipo de curiosa contradição já vi em outras ocasiões, inclusive em evento de devoção popular! Sendo junho o mês de Santo Antônio, uma paróquia dedicada a este santo costuma, antes das missas, rezar a trezena em determinado dia da semana. E qual não é a minha surpresa quando vejo pela transmissão online que a trezena é muito mais solene que a missa! Na trezena, além do coral, está presente orações em latim, orações cantadas, momentos meditativos e silêncio piedoso! E qual não é a minha surpresa que, acabada a trezena, na hora da missa, tudo volta “ao normal”: música pop, 100% vernáculo, etc. A impressão que fica é que a trezena é mais importante e solene que a missa, e isto, sabemos por fé, não é verdade. A estética, porém, faz indicar o contrário, criando uma situação contra-intuitiva: na trezena, a antiga igreja lota, quem chegou atrasado, deve assisti-la do lado de fora; na missa, nota-se uma substancial esvaziada, ainda que não fique vazia, quem chegou atrasado, terá lugar para a celebração eucarística.

Pois é, quem poderia imaginar que elementos tradicionais favorecem a piedade e atraem o povo de Deus?

Mas voltemos ao assunto do artigo. Longe de mim querer ensinar o Frei Gilson a rezar a missa. Só acho que se ele tivesse a experiência de rezar a Missa Tridentina, com canto gregoriano, o qual favorece o silêncio, isto é, a meditação, ele ficaria surpreso em perceber que aquilo que ele ensina pelos lábios, aquilo que ele reza de madrugada, a estética que mostra nas suas aulas, fazem mais sentido neste rito.

Tenho consciência de que se eu acordasse às 4 horas para rezar com ele, meus deveres do dia ficariam prejudicados. Não posso vê-lo ao vivo, mas gostaria de vê-lo rezando no rito tradicional. Muitas contradições seriam sanadas se os bons padres apesar da crise rezassem a Missa Tradicional em Latim.


Notas:

[1] O leitor inteligente entende que o contexto se refere a número de pessoas conectadas, que passou de um milhão, e não a dinheiro, mesmo porque o Frei, por ser religioso, tem voto de pobreza. Esta lógica será a que estará presente ao longo do artigo.

[2] Agenor Brighenti é um dos principais teólogos da libertação do país. Percebendo o declínio da Teologia da Libertação, teve a boa ideia de organizar uma pesquisa para buscar entender o perfil dos seminaristas. Ou seja, Bringuetti não tem medo de dados empíricos e tem recurso da universidade para coordenar esse tipo de investigação, por isso mandei meu alô. Diga-se ainda, foi Brighenti que percebeu, a partir de sua pesquisa, que não é mais possível a simples separação entre católicos progressistas (libertários) e conservadores. Há um novo perfil na praça, que ele chamou de neotradicionalista. Difere-se o neotradicionalista do conservador, em termos práticos, a partir da seguinte consideração: Os conservadores podem ser enrolados pelos libertários; os neotradicionalistas, não. Com aqueles dá para dialogar, com estes não. O cerne para compreender este raciocínio é que, ao contrário dos conservadores, os neotradicionalistas questionam a legitimidade das reformas promovidas pelo Concílio Vaticano II, do qual eles mesmos, os libertários, se julgam os verdadeiros intérpretes. Os conservadores, por sua vez, aceitam as reformas, ainda que esperneiem a princípio. Para quem é membro patrocinador, explico isso aqui.

[3] Inclusive parece que resgataram um vídeo dele falando o que para um cristão deveria ser óbvio, mas não o é por causa da hegemonia feminista (que no catolicismo, por exemplo, torce o nariz para a condenação da calça em favor de saias e uso do véu): A mulher é auxiliar do homem. Quando o mundo vocifera contra a doutrina católica, é bom sinal.

Compartilhar

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram

Seja Membro Patrocinador

Cursos Exclusivos | Acesso a Artigos Restritos |
eBook/Leitura (Em breve) | Desconto na Loja

Assinatura Anual:
R$ 119,90
(R$ 10,00 por mês)

Assinatura Semestral:
R$ 89,90
(R$ 15,00 por mês)

Picture of Augusto Pola Júnior

Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
Todos os posts do autor
São Francisco de Sales e religiosas
[Filotéia] Amizades – São Francisco de Sales
A AMIZADE EM GERAL E SUAS ESPÉCIES MÁS O amor ocupa o primeiro lugar entre as paixões; ele reina no coração...
A Importância da Estrela e os Reis Magos
A Importância da Estrela e os Reis Magos - Reflexão de Natal
Boa noite a todos os presentes aqui. Boa noite a quem assistir essa pequena reflexão via vídeo no canal...
A vida em 2022- W. Molina (1967)
Os Protocolos dos Sábios do COVID
Os últimos meses, para quem ainda vive em sociedade, foram bem peculiares. Como se fosse um conto de...
Prefeitura de Curitiba - Criança Trans
Greca: o católico gnóstico da alta cultura - Patifarias do início do segundo mandato
A coluna “Princípio e Fundamento: a verdadeira forma de governar”, aponta para os principais aspectos...
Cristo na Cruz
O cultivo da interioridade na vocação leiga
“No centro da alma está plantada a árvore da santa cruz, onde repousa o Cordeiro imaculado, que...

Comentários

Deixe um comentário

Search

Últimos ISA Cursos

Filotéia ou Introdução à Vida Devota de São Francisco de Sales
I Seminário de Psicologia Tomista do Instituto Santo Atanásio
Curso - A Mística do Templo na Espiritualidade Beneditina
Curso Mistagogia Cristã - Instituto Santo Atanásio - ISA MEMBROS
ISA-Notícias-&-Lives-2024

Eventos presenciais

Carrinho de compras