O Cardeal Victor Manuel Fernandez (Tucho), Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, respondeu a uma carta de Mons. José Negri, bispo de Santo Amaro – Brasil, que continha algumas perguntas sobre a possível participação nos sacramentos do batismo e do matrimônio por parte de pessoas transexuais. A resposta do purpurado argentino foi que sim, o que contradiz expressamente o que a Igreja ensinou até agora.
Diferentemente do que indicou a Congregação para a Doutrina da Fé em casos anteriores, o agora dicastério encarregado de velar pela doutrina e moral católica deu liberdade à possibilidade dos transexuais e dos homossexuais serem padrinhos de batismo.
Em 15 de setembro de 2015, Mons. Rafael Zornoza, consultou a Doutrina da Fé sobre a possibilidade de admitir como padrinho de batismo a uma pessoa transexual. A resposta foi esta:
“Sobre este particular, comunico-lhe a impossibilidade de que sejam admitidos. O próprio comportamento transexual revela de modo público uma atitude oposta à exigência moral de resolver o próprio problema de identidade sexual segundo a verdade do próprio sexo. Portanto, é evidente que esta pessoa não possui o requisito de levar uma vida conforme à fé e ao cargo de padrinho (CIC can 874 §3), não podendo, portanto, ser admitido ao cargo nem de madrinha nem de padrinho. Não se vê neles uma discriminação, mas somente o reconhecimento de uma objetiva falta dos requisitos que, por sua natureza, são necessários para assumir a responsabilidade eclesial de ser padrinho”.
No caso dos transexuais, o Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé admite que inclusive possam ser batizados, embora não especifique se o serão sob a condição de seu sexo biológico ou civil.
Respostas do Dicastério a S.E. Dom José Negri
Link do documento do Dicastério para Doutrina da Fé
As seguintes respostas repropõem, em substância, os conteúdos fundamentais de quanto, no passado, foi afirmado por este Dicastério sobre tal matéria [1].
1. Um transexual pode ser batizado?
Um transexual – que tenha sido submetido a tratamento hormonal e à intervenção cirúrgica de reatribuição de sexo – pode receber o Batismo nas mesmas condições dos outros fiéis, se não existam situações em que se corra o risco de gerar escândalo público ou desorientação entre os fiéis. No caso de crianças ou adolescentes com problemáticas de natureza transexual, se estiverem bem preparados e dispostos, estes podem receber o Batismo.
Ao mesmo tempo, é necessário considerar o quanto segue, especialmente quando existem dúvidas sobre a situação moral objetiva em que se encontra uma pessoa, ou sobre as suas disposições subjetivas para com a graça divina.
No caso do Batismo, a Igreja ensina que, quando o sacramento é recebido sem o arrependimento pelos pecados graves, o sujeito não recebe a graça santificante, ainda que receba o caráter sacramental. O Catecismo afirma: «Esta configuração a Cristo e à Igreja, realizada pelo Espírito, é indelével; ela permanece para sempre no cristão como disposição positiva à graça, como promessa e garantia da proteção divina e como vocação ao culto divino e ao serviço da Igreja» [2].
Santo Tomás de Aquino ensinava, de fato, que quando é removido o impedimento à graça, em alguém que recebeu o Batismo sem as justas disposições, o mesmo caráter «é uma causa imediata que dispõe a acolher a graça» [3]. Santo Agostinho de Hipona aludia a esta situação dizendo que, mesmo que o homem caia no pecado, Cristo não destrói o caráter recebido por ele no Batismo e busca (quaerit) o pecador, no qual foi impresso este caráter que o identifica como sua propriedade [4].
Assim podemos compreender a razão pela qual Papa Francisco quis sublinhar que o Batismo «é a porta que permite a Cristo Senhor habitar a nossa pessoa e, a nós, imergir-nos no seu Mistério» [5]. Isto implica concretamente que «nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a «porta»: o Batismo. (…) a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa» [6].
Desse modo, mesmo quando permanecem dúvidas sobre a situação moral objetiva de uma pessoa ou senão sobre as suas disposições subjetivas para com a graça, não se deve jamais esquecer este aspecto da fidelidade do amor incondicional de Deus, capaz de gerar também com o pecador uma aliança irrevogável, sempre aberta a um desenvolvimento igualmente imprevisível. Isto vale até mesmo quando no penitente não aparece de modo plenamente manifesto um propósito de emenda, porque frequentemente a previsibilidade de uma nova queda «não prejudica a autenticidade do propósito» [7]. Em todo caso, a Igreja deverá sempre convidar a viver plenamente todas as implicações do Batismo recebido, que se deve sempre compreender e desdobrar dentro do caminho integral da iniciação cristã.
2. Um transexual pode ser padrinho ou madrinha de Batismo?
Em determinadas condições, pode-se admitir à função de padrinho ou madrinha um transexual adulto, mesmo que tenha sido submetido a tratamento hormonal e à intervenção cirúrgica de reatribuição de sexo. Porém, como tal função não constitui um direito, a prudência pastoral exige que isso não seja permitido quando se verificasse um perigo de escândalo, de indevidas legitimações ou de uma desorientação da comunidade eclesial em âmbito educativo.
3. Um transexual pode ser testemunha de um matrimônio?
Não existe nada na vigente legislação canônica universal que proíba a uma pessoa transexual de ser testemunha de um matrimônio.
4. Duas pessoas homoafetivas podem figurar como genitores de uma criança que deve ser batizada e que foi adotada ou concebida com outros métodos, como a “barriga de aluguel”?
Para que a criança seja batizada deve existir a fundada esperança de que será educada na religião católica (cf. can. 868 §1, 2° CIC; can. 681 §1, 1° CCEO).
5. Uma pessoa homoafetiva e que convive [maritalmente] pode ser padrinho de um batizado?
Segundo a norma do can. 874 §1, 1° e 3° CIC, pode ser padrinho ou madrinha quem possua a aptidão para tal (cf. 1°) e «leve uma vida de acordo com a fé e o encargo que vai assumir» (3°; cf. can. 685 §2 CCEO). Diverso é o caso em que a convivência de duas pessoas homoafetivas consiste não em uma simples coabitação, mas sim em uma estável e declarada relação more uxorio, bem conhecida da comunidade.
Em todo caso, a devida prudência pastoral exige que cada situação seja sabiamente ponderada, para salvaguardar o sacramento do Batismo e sobretudo a sua recepção, que é um bem precioso a ser tutelado, já que é necessário para a salvação [8].
Ao mesmo tempo, é preciso considerar o valor real que a comunidade eclesial atribui à função de padrinho e madrinha, o papel que estes têm na comunidade e a consideração demonstrada por eles em relação aos ensinamentos da Igreja. Enfim, é necessário levar em conta também a possibilidade de que haja uma outra pessoa do círculo familiar para garantir a correta transmissão da fé católica ao batizando, sabendo que se pode sempre assistir ao batizando durante o rito não só como padrinho ou madrinha, mas também como testemunhas do ato batismal.
6. Uma pessoa homoafetiva e que convive [maritalmente] pode ser testemunha de matrimônio?
Não existe nada na vigente legislação canônica universal que proíba a uma pessoa homoafetiva e que convive de ser testemunha de um matrimônio.
Notas:
[1] Cf. CONGREGAÇÂO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Nota reservada sobre algumas questões canônicas inerentes ao transexualismo (21 dicembre 2018), Città del Vaticano, Sub secreto pontificio.
[2] Catecismo da Igreja Católica, n. 1121.
[3] SANTO TOMÁS DE AQUINO, I Sent. IV, 4, 3, 2, 3: «est inmediata causa disponens ad gratiam»; IDEM, S. Th. III, q. 69, a. 9, ad 1: «Et sic omnes induunt Christum per configurationem characteris, non autem per conformitatem gratiae» («E, neste sentido, todos se revestem de Cristo mediante a configuração a Ele com o caráter, não porém com a graça»)
[4] Cf. SANTO AGOSTINHO DE HIPONA, Sermo ad Caesariensis Ecclesiae plebem, 2 (PL 43, 691-692): «Nunc vero ipse desertor, characterem fixit imperatoris sui. Deus et Dominus noster Iesus Christus quaerit desertorem, delet erroris criminem, sed non exterminat suum characterem»
[5] FRANCISCO, Audiência geral (11 de abril de 2018), disponível online em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2018/documents/papa-francesco_20180411_udienza-generale.html
[6] FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24 de novembro de 2013), n. 47.
[7] JOÃO PAULO II, Carta ao Card. William W. Baum, por ocasião do curso sobre o foro interno organizado pela Penitenciaria Apostólica (22 de março de 1996), 5: Insegnamenti XIX/1 [1996], 589.
[8] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1277.
Fonte: InfoCatólica