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Páscoa sem Jesus. Por quê?

Estamos na Semana Santa, próximo Domingo é Páscoa, a quaresma está chegando ao fim. Porém, em muitos lugares, as igrejas estarão fechadas, e os fiéis não poderão participar dos ritos. Por quê? É o que me proponho a explicar neste artigo.

A resposta mais imediata será: é por conta da pandemia que nos assola, o COVID-19 está em uma nova onda, e, portanto, devemos obedecer ao #fiqueemcasa. Então não é hora de participar das atividades da Semana Santa.

Todavia esta resposta, embora exprima uma descrição correta do que está acontecendo, é apenas o motivo mais superficial. Como expliquei em outro artigo, no Método Shibumi não estamos interessado na explicação mais superficial, senão na mais profunda.

O que está por trás da censura às celebrações da Semana Santa é um espírito, um tipo de mentalidade, um modo de ver o mundo que, certamente, destoa da visão da fé católica: é o naturalismo.

O naturalismo é uma ideologia que, conforme sugere o nome, considera apenas o que é do âmbito do natural, ou seja, exclui de sua visão de mundo o sobrenatural. O naturalista até percebe uma ordem no cosmos, até consegue perceber a importância de valores como bem e justiça, mas sempre excluindo a fé (o sobrenatural) da narrativa.

O naturalismo (a depender da vertente) até pode conceder que Deus existe, pode até anunciar que ama e teme a Deus, mas, ao não levar em conta sua Revelação (a fé), vive na prática como se Deus não existisse, evocando a divindade a posteriori para defender algum capricho ou justificar alguma ação.

O naturalismo também pode evocar valores espirituais como bem, justiça, amor… Mas ao fim, não é porque são atributos divinos, dignos portanto de serem emulados e difundidos, mas é simplesmente porque são importantes para o tecido social.

Uma vez que o naturalismo ignora ou despreza o sobrenatural, a fé deixa de ser critério para a avaliação, discernimento e julgamento do homem na realidade. Assim, a caridade (amor sobrenatural) é rebaixada à filantropia (auxílio); a esperança, à confiança em dias melhores, porque a fé, por sua vez, é negligenciada em detrimento das narrativas ideológicas, geralmente de cunho político e/ou econômico. Além disso, a justiça é rebaixada ao cumprimento de leis; a prudência, ao oportunismo; a temperança, ao pseudo-equilíbrio da tolerância; a fortaleza; ao conforto.

Como já fazia notar Chesterton, são as virtudes cristãs que enlouqueceram. E enlouqueceram por causa da essência do naturalismo: a retirada de Deus do centro. São Paulo também já alertava para este tipo de decadência quando opunha o homem espiritual, que se guia pelo Espírito Santo, que é Deus, ao homem natural, que não busca entender o mundo através da luz do Espírito Santo e, por causa disso, julga as coisas de Deus como loucura (Cf. 1 Cor 2).

E se não é Deus quem está no centro do homem natural, o que é? Resposta: o homem. Eis o motivo do naturalismo desembocar no humanismo.

Contudo, ainda estamos muito em abstrato. Como disse no artigo anterior, o método shibumi, ao entender em abstrato, quer ser capaz de enxergar o concreto. E é assim que tentarei responder mais claramente à pergunta do título desse artigo: por que teremos uma páscoa sem Jesus, ou seja, sem eucaristia?

A resposta mais simples já foi dada: é por causa da COVID-19, um vírus que tem matado muita gente, já sofreu mutações, e inclusive algumas de suas cepas se tornaram mais letais. Um perigo de fato que não se deve ignorar.

Todavia, diante deste problema real, é necessário dispor de uma atitude existencial em relação a esta ameaça que desencadeou toda uma crise sanitária de nível mundial. Usemos de São Paulo para entender isso melhor: Como que o homem espiritual (isto é, o católico) lida com essa situação? E como o homem natural (isto é, o mundano), lida com esta crise? Então ficará claro quão distante e opostas são (embora por fora pode haver caso em que até parecem defender as mesmas coisas, como, por exemplo, a vida).

O prefeito de Curitiba, por exemplo, para defender seus autoritarismos, tem a pachorra de citar o quinto mandamento (não matarás). E posso dizer com segurança de que não se trata de um homem espiritual, mas natural, porque ele mandou fechar as igrejas (quando o decreto estadual apenas havia aumentado as restrições). Como pode o prefeito citar o quinto mandamento e, em contradição com a fé, fechar as igrejas?

Eis o ponto. Só enxerga esta contradição o homem espiritual, porque considera a fé como o mais importante.

Vejamos, pois, como a cosmovisão católica, que é a verdadeira, porque foi Revelada por Deus, enxerga a problemática sanitária:

Estamos diante de um mal, um vírus que mata a muitos. O contrário da doença é a saúde. A doença é um mal, porque parasita um bem que é a saúde. Ora, todo o bem provém de Deus através de sua graça. E faz parte do desígnio de Deus, de sua infinita sabedoria, condicionar graças a súplicas (ler Somente uma Coisa é Necessária) e aos sacramentos, que são meios ordinários para a graça. E se Deus permite um mal, é porque dele pode tirar um bem maior. Portanto, diante de uma crise sanitária, em vez de fechar as igrejas, deveria ser aumentado os números de devoções e missas, suplicando a Deus pelos bens tão necessários a nós nesse momento de abalo sanitário e social. Este aumento de missas e devoções, não devemos ser burros (fideístas), não contradiz os cuidados prudentes e higiênicos (distanciamento social, álcool gel, máscaras, etc), mas os respeitando, aumentar o fervor de nossas devoções. Cuidados sim, mas proibição não, pois a religião católica, não é nem que seja essencial, é supraessencial, pois o que encontramos na Missa é o próprio Filho de Deus, que é Deus.

É mais ou menos este o modo de ver a realidade do católico. Colocando Deus no centro, e confiando em sua Providência. Para o católico, a graça não nega a natureza, mas antes a aperfeiçoa. Por isso não somos loucos de ignorar os cuidados higiênicos necessários neste momento de pandemia. Por outro lado, acusamos de loucura, assim como São Paulo, ao homem natural, pois ele persegue justamente as atividades sacramentais, sendo que os sacramentos são caminhos ordinários da Graça!

Não que esta Graça representaria o fim milagroso do vírus ou o relato de inumeráveis curas milagrosas (não que seja impossível para Deus agir desse modo, mas arrisco a dizer que é improvável, já que o Criador costuma ser paroxalmente discreto), mas certamente representaria maiores forças e luzes para lidar com esta crise. Fortalecendo e inspirando, por exemplo, aos médicos e pesquisadores. Além disso, se não para ofertar a cura (graça corporal), mas dar algo infinitamente superior: a graça da perseverança final! Seja como for, com Deus no centro, as coisas estariam melhores tanto naturalmente quanto sobrenaturalmente (porque, novamente, a graça não nega a natureza, mas a aperfeiçoa e eleva). Em resumo: não negamos, em nome de Deus, a importância de assistência médica, equipamentos, remédios, restrições sociais prudentes, e vacinas para lidar com a pandemia. É o oposto disso, e com acréscimo: acreditamos que tais meios serão mais eficazes e produtivos se pedirmos as bênçãos de Deus. É que a graça, por ser superior, é capaz de elevar a natureza.

E o que dizer do modo do homem natural lidar com esta crise? Ora, é só ver a bagunça generalizada e os debates em torno do COVID-19. Repletos de narrativas políticas, à direita e à esquerda, criando toda uma sorte de confusão e falsos dilemas.

Uma senhora chegou a responder um de nossos posts no Facebook dizendo, com a arrogância do homem natural (que eu costumo chamar ironicamente de “bom cidadão”, porque costuma seguir, “pensando com a própria cabeça”, a narrativa da “boa mídia”, que é “boa” só no sentido de promover agendas ideológicas, e não a verdade e o bem), que como não há vaga nos hospitais, é o momento de rezar em casa.

Demonstração, para um católico, de loucura. Rezar em casa já faz parte (ou deveria fazer) do exercício espiritual cotidiano para um homem que tenha fé, o que já demonstra que não há oposição entre rezar em casa e na igreja, mas antes, rezamos em casa para melhor rezar na igreja, pois lá, sendo um local sagrado, e estando presente o próprio cristo na Eucaristia, o odor de nossa oração se torna mais agradável a Deus.

O mesmo vale para denunciar a demagogia do prefeito Rafael Greca (e de inúmeros outros políticos), que cita o quinto mandamento por um lado, e por outro, com a caneta, afasta as pessoas da Eucaristia.

Acredito que já está claro por que teremos uma páscoa sem Jesus em muitos locais do Brasil. O coração de nossas autoridades – e com o coração triste devo dizer que a isso não escapa a autoridade eclesiástica, infelizmente muitos bispos assinam em baixo a narrativa do homem natural e se comportam como um “bom cidadão” – está repleto de naturalismo. E do naturalismo procedem muitas outras distorções que vão contra Deus: humanismo, racionalismo, materialismo e ateísmo (para entender este desencadeamento, A Crise do Mundo Moderno do Padre Leonel Franca)

No naturalismo, a vida temporal tem mais valor que a salvação da alma; os bens materiais, que os espirituais. A religião, quando não ignorada, desprezada ou mesmo odiada, é encarada apenas em seu aspecto psicológico. É um capricho do homem para ele se sentir melhor e mais seguro, e não uma maneira de entender e encarar a realidade. Logo, reze em casa!

Passe a páscoa em casa! Cumpra a lei, mesmo que seja iníqua. Considere São Paulo refutado, pois o justo não é o que vive pela fé, mas pela obediência à lei dos homens (Cf. Hb 10, 38). Não economize nas hashtag #emcasa, pois nunca foi tão fácil dar demonstração de “bom cidadão”, de cidadão “conscientizado” que “se preocupa com a vida” (e não raro é a favor do aborto).

Ora, mas Lorenzo Scupoli, homem espiritual, ensina que o princípio para travar o Combate Espiritual é a desconfiança de si e a confiança em Deus, que a centralidade, portanto, está em Deus, e não no homem. E Santo Afonso ensina que o reto proceder está em conformar a vontade humana à vontade divina. O homem natural faz pose, mas ao aplaudir o fechamento de igrejas usando a pandemia como pretexto, está agindo com covardia. Teme quem pode matar o corpo, e ignora – como bom naturalista – aquele que pode salvar a alma (Cf. Mt 10, 28).

Então por mais vantajoso que possa parecer, recebendo os aplausos dos “bons cidadãos”, ao católico isso é uma narrativa absurda. Afinal, o que comemoramos na Páscoa? Ora, é a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo! E se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé! (1 Cor 15,17)

Então para concluir, parafrasearei a São Paulo:

Porque primeiramente vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. E que foi sepultado, e que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras (…). Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como é que algumas autoridades políticas e eclesiais podem atuar como se não houvesse ressurreição dos mortos? E se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, logo a religião católica não é serviço essencial, e também vã é a vossa fé (…). E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé, e será pecado criticar o fechamos das igrejas o impedimento aos sacramentos.

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Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
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