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A decadência da dignidade humana

Palestra: A Decadência da Dignidade Humana

Nesta palestra explica-se em que consiste a dignidade do homem e de que modo a fé católica atua para a elevação desta dignidade. Além disso, por outro lado, viu-se de que modo o protestantismo contribuiu para sua decadência da dignidade humana, cujos traços mais radicais de suas premissas já estão fazendo eco em nossa modernidade.

Quadro da Palestra "A Decadência da Dignidade Humana"

Nesta palestra, vamos tratar do primeiro capítulo da terceira parte do livro FRANCA, Leonel. A Crise do Mundo Moderno, Editora Santo Atanásio, 2019 pp. 161-180. [Link para a loja].

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Após a primeira palestra, onde vimos a ruptura teológica causada pelo protestantismo, que culminou em oposições conceituais que retiraram Deus da sociedade, veremos agora de que modo o protestantismo afetou a noção do que é o homem e, por consequência, de que modo possibilitou a decadência da dignidade humana.

No capítulo Dignidade da Pessoa, que versa sobre a relação entre dignidade e cristianismo, o Padre Leonel Franca começa dizendo:

A volatilização progressiva da idéia de Deus e a divinização deformadora da idéia do homem deram nesta visão falseada das coisas, responsável, no domínio profundo da inteligência, pela crise da civilização contemporânea. Não pode subsistir a dignidade do homem onde não adora a majestade de Deus (p. 161).

Essa descrição tem a ver com o desencadeamento da crise, onde do protestantismo chegamos ao ateísmo prático e ideológico de hoje. O que Lutero fez foi montar sua teologia com base no “eu acho”. Ao ser excomungado, rejeitou a divindade da Igreja; ao ser refutado pelo Magistério da Igreja, negava a infalibilidade do mesmo, etc. Se fosse contrariado, criava uma narrativa com base, no fundo, em um único critério de veracidade: ele próprio. Eis o individualismo.

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A partir deste individualismo, a consequência inevitável foi a retirada de Deus do centro para que se colocasse o homem. E assim se caminha ao racionalismo, onde não se adora mais tanto a Deus, mas a razão do homem.

Paradoxalmente, ao considerar o homem como centro do universo, o que ocorre é que sua dignidade será mudada para pior. Não poderia deixar de ser assim, pois ao se exaltar o homem injustamente, colocando-o acima de Deus, cega-se em seu orgulho e, portanto, sua dignidade, que deveria levá-lo à contemplação e prática do bem, é rebaixada. Nesta palestra, mostraremos com mais detalhes como esse processo ocorre.

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Para falar sobre a dignidade do homem, precisamos ter claro o conceito de pessoa, ou seja, o que é pessoa.

Na antiguidade grega, havia o termo persona, que se referia à máscara que se serviam nos teatros (no teatro, atua-se em papéis que representam a vida social). Depois, no direto romano, passou a significar o representante em matéria jurídica e judiciária.

O Padre Leonel Franca faz esse apanhado da antiguidade para mostrar que, desde a origem do uso da palavra, ela já desempenhava algum valor provido de dignidade. Ainda que fosse a máscara do teatro, eram os escravos que encenavam nas peças. Ao fim do espetáculo, eram aplaudidos e, portanto, a máscara estava relacionada aos seus momentos de glória. No direito romano, a relação é ainda mais clara, pois se tratava de mostrar que uma pessoa era digna de representar a outra em um processo judiciário.

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Na idade média, pessoa passou a ser sinônimo de dignidade eclesiástica ou civil e, mais tarde, passou a significar os atributos intrínsecos e específicos a respeito do homem. Nisso houve uma evolução, principalmente em decorrência da filosofia escolástica, do aspecto social ao filosófico do conceito (o que é o homem).

Após isso, houve toda uma queda nas idéias filosóficas (o desenvolvimento e crescimento da crise) e, modernamente, pessoa é tida como sinônimo de homem, mas sem saber direito a definição do que é o homem.

De fato há certo sinônimo entre pessoa e homem, todavia há um aspecto a se distinguir. Conforme veremos mais adiante, a pessoa é aquilo no homem que é essencial, ou seja, que não muda.

No âmbito da psicologia, a pessoa será entendida a partir dos fenômenos.

Nós notamos que existe o nosso eu corporal, nosso eu espiritual, nosso eu social, nossos sentimentos, nossos afetos, nossos pensamentos, etc. Nós temos consciência de tudo isso e que tais fenômenos ocorrem comigo, sem que se perca a minha identidade. A consciência de todas essas dimensões sem a perda da identidade é o que a psicologia entende como pessoa. Em resumo, pessoa será vista como a coexistência da multiplicidade dos estados psíquicos em torno de um centro comum e a permanência no tempo de uma identidade:

A coexistência da multiplicidade dos estados psíquicos e torno de um centro comum – corte transversal do eu – atesta-lhe a unidade; a permanência sob os atos que se sucedem no tempo – corte longitudinal do eu – assegura-lhe a identidade. A esta unidade, síntese de todos os estados interiores, atestada pela introspecção à consciência de si mesmo, dá-se em psicologia o nome de pessoa (p. 163)

O problema desta conceituação dada pela psicologia está no fato de estar incompleta. Ela não é falsa, mas está restrita ao campo fenomênico.

Um exemplo dado pelo Padre Leonel Franca para mostrar esta limitação é que alguns psicólogos dão o nome de “desdobramento da personalidade” para certos problemas psicológicos. Pode fazer sentido sob o aspecto fenomênico, mas se tomarmos a expressão em sentido forte e mais profundo, significaria que o homem perdeu sua natureza de pessoa e, conforme veremos, isso é absurdo.

Portanto, a definição dada pela psicologia, limitada ao empirismo e ao que é fenomênico, ainda está incompleta e dá margem para confusões. Como, então, resolver isso?

Para definir o constitutivo essencial da pessoa é mister ultrapassar a superfície dos fenômenos e atingir o plano ontológico (p. 164). [Isto é, o plano do ser]

Primeira característica de uma pessoa é que ela é um indivíduo. Por sua vez, indivíduo é tudo aquilo que subsiste por si mesmo. Todavia, esta característica não diz tudo, pois um cavalo, por exemplo, também é um indivíduo, porém não é pessoa. Portanto é necessário ir além.

Há algo a mais que precisa ser posto, aquilo que diferencia o homem, e que lhe dá dignidade, dos demais seres da natureza. Trata-se do fato do homem possuir uma natureza racional. Com efeito, a definição de homem é animal racional.

Marca de sua natureza racional, o homem pode usar de sua inteligência para conhecer as verdades da natureza e pode usar de sua liberdade para se elevar acima de seus sentimentos e instintos. É que o homem, quando conhece uma verdade, pode caminhar para o bem que aquela verdade pode trazer.

Eis então os três atributos do homem que lhe dão dignidade e o caracteriza como pessoa: individualidade, inteligência e liberdade.

Por conta de sua dignidade, a pessoa é um fim em si mesma:

Cada pessoa é no Universo uma obra prima que não se repete. E toda tentativa de reduzi-la incondicionalmente ao simples mister de instrumento a serviço de fins temporais – Nação ou Raça, Partido ou Estado – é um pecado que introduz na harmonia das coisas a desordem de uma ruína de que nada nos poderá consolar (p. 170)

Para entender melhor o que está sendo dito, vamos ver sobre as faculdades do homem, ainda que de maneira simples, resumida e sem muito aprofundamento.

O homem tem as faculdades superiores composta por duas potências. A inteligência e a vontade. A inteligência busca conhecer a verdade. A vontade busca alcançar o bem. Obs: não existe liberdade no mal, mas apenas no bem. A liberdade reside na reta execução da vontade.

Também possui as faculdades inferiores. Nelas residem os sentidos, que dá ao homem conhecimento sensível, e os apetites, que são os desejos movidos pelas paixões (modernamente entendido como emoção).

A grosso modo, nas faculdades inferiores “pupulam” nossos sentimentos e instintos. Já nas faculdades superiores, a preocupação do homem reside em questões universais, obtidas através de perguntas como: o que é, por que, para que, como, etc. Na natureza, somente o homem se preocupa com esses tipos de questões, enquanto que nos outros animais tudo já está dado pelo instinto. É por isso que adestramos cachorros: trabalhamos com os instintos desse animal para que obedeça automaticamente a certos comandos; mas, por outro lado, o homem não deve ser adestrado (falar isso significaria ir contra a sua dignidade), mas educado, porque o homem é um ser com inteligência. Sendo assim, ensina-se o homem a conhecer a verdade para que se mova em direção ao bem, por motivação de amor ao bem.

Na educação do homem para a vida, deve-se ensiná-lo a ter responsabilidade. Nisso o Padre Leonel Franca é explícito: o homem deve ter responsabilidade na vida. Isso é algo bem interessante, porque com isso podemos voltar àquela referência da antiguidade da pessoa ser “máscara”, não no sentido de falsidade (como faz Jung), mas no sentido de analogia com o teatro, indicando que o homem deve assumir o seu papel na vida.

Outro aspecto interessante a ser abordado é o seguinte: dado que o homem é um ser que subsistem em si mesmo, que tem inteligência e vontade, qual seria o papel do direito?

Por conta de sua natureza racional, o homem pergunta-se sobre o sentido de sua vida, pela finalidade das coisas. Deste modo, o direito vem para buscar garantir que o homem tenha os meios necessário para alcançar o seu fim. Sendo assim, o direito não é algo que é dado pelo Estado, Partido ou Nação, mas sim uma noção que tem como pressuposto a dignidade humana: o homem como sendo um fim em si mesmo, que busca cumprir a sua missão nessa vida pela contemplação da verdade e pela prática do bem.

Em suma, a origem do direito reside na natureza humana (a famosa lei natural). Tendo isso em mente, já cai por terra a noção moderna de que o direito é algo positivo, algo que pode ser dado ou criado por algum aparato burocrático. O direito não é justificado pela arbitrariedade (positivismo), também não pode ser justificado simplesmente como algo de comum acordo (contratualismo). O direito é justificado pela finalidade do homem, devendo, portanto, respeitar a natureza humana em suas positivações.

Há ainda mais um detalhe a ser levado em consideração antes de entramos na visão e contribuição católica para questão da dignidade humana. É necessário que façamos a distinção de pessoa e personalidade.

Na psicologia, o conceito de personalidade é controverso. Cada escola tem a sua definição e elas não se entendem. A abordagem do Padre Leonel Fraca, por outro lado, por fazer uma análise mais clássica, não só não cai em confusão como torna clara a questão sobre a personalidade. O homem, como vimos, possui uma natureza racional (subsiste em si, possui inteligência e vontade), mas ele não recebe esses dons em plenitude, precisando então desenvolvê-los, isto é, o homem precisa ser educado para usar bem suas faculdades. É neste contexto que está a personalidade, que significa o desenvolvimento moral do homem. É um esforço que se precisa empreender, pela educação, para se guiar pela verdade para poder praticar retamente o bem.

Isso é o oposto do que vimos na palestra anterior. Lutero e Descartes acabaram caindo em certo sentimentalismo, colocando assim as faculdades inferiores acima das superiores, ou seja, uma completa inversão no modo como o homem deve agir.

Agora que vimos os aspectos naturais da questão, podemos adentrar na contribuição católica para elevação da dignidade humana. Diz o Padre Leonel Franca:

Com a revelação cristã o problema da pessoa transfigurou-se para receber uma solução maravilhosa, digna do primeiro Amor. O surto ilimitado para o Infinito, que constitui a pessoa, na primeira fonte de sua dignidade e na raiz de sua nobre inquietude, encontrou na generosidade gratuita do dom divino a sua resposta inefável. A Bondade infinita [Deus] desceu até ao homem e ofereceu-lhe com a “graça” a participação misteriosa de sua vida divina (p. 176)

Por mais que o homem, respeitando sua natureza, seja virtuoso, ele ainda estará inquieto, porque também está presente em sua natureza o desejo pelo Infinito, isto é, por Deus.

É que para além da vida natural, existe a vida sobrenatural. E quando Deus se fez homem, quando Jesus encarnou, ele ofereceu, por sua morte na cruz, uma nova vida na Graça, que o permite participar da natureza divina.

Assim, diferentemente da ruptura luterana, a qual separou irremediavelmente natureza e graça, para nós, Católicos, não é assim que funciona. A graça não apenas purifica a natureza humana, mas ainda a eleva à vida sobrenatural, fazendo-nos, ainda nesta vida terrena, participantes da vida divina pela graça.

Por exemplo, vamos supor uma paixão forte contra a castidade. Para Lutero, em sua visão pessimista, o homem não teria forças para resistir a este ataque. Nós, por outro lado, sabemos que o homem não só tem forças para resistir à tentação como sobretudo pode contar com o auxílio divino que vem através da graça.

Quando somos batizados, nós recebemos de Deus a graça santificante. É como se ganhássemos uma wi-fi para o céu. Mais especificamente, ganhamos a amizade de Deus. Tecnicamente falando, a nossa alma é deiformada, isto é, ganha a forma de Deus. É como se ganhássemos um organismo espiritual celeste que é alimentado pela fé.

Por sua vez, a graça santificante não faz nenhuma operação. Ela “só” muda nossa alma permitindo a participação na vida divina, ou seja, ela eleva a nossa natureza. O que fará a operação é a graça atual.

Conforme bem explica o Tanquerey, Deus envia a graça atual para iluminar a nossa inteligência e aquecer a nossa vontade. Essa iluminação pode ser por graça exterior (ex: uma inspiração causada por uma homilia ou livro) ou interior (ex: um conhecimento esclarecido enquanto se meditava na oração). É esta graça atual que possibilitará com que façamos atos sobrenaturais. São esses atos sobrenaturais os que são meritórios para Deus; são eles que permitem que colecionemos tesouros para o céu.

A vida cristã católica não é uma vida meramente natural. Com efeito, a vida natural está englobada e ordenada à vida sobrenatural. Portanto, entende-se assim por que a vida na graça não nega a nossa natureza, mas, pelo contrário, a pressupõe. A graça aperfeiçoa nossa natureza e eleva-a à ordem sobrenatural. Sendo assim, qualquer ato humano, por mais simples e banal que seja, pode ser divinizado pela graça.

Por exemplo: ao ver um mendigo na rua, posso ter compaixão humana por ele e dar uma esmola. Este é um ato bom, mas apenas humanamente falando. Eu posso fazer este mesmo ato por motivo de fé, vendo Cristo no irmão que passa necessidade. Neste caso, o mesmo ato de dar esmola, adquire uma intenção sobrenatural e, deste modo, torna-se infinitamente mais agradável a Deus. É que, diferentemente da mera compaixão humana, o que motivou o meu ato foi, em última instância, o amor a Deus. Por sua vez, tal motivação só foi possível porque Deus enviou a graça para que eu pudesse realizá-lo com essa intenção elevada à ordem sobrenatural.

Os atos sobrenaturais, isto é, feitos por amor a Deus, é o que se chama caridade. A caridade é o amor sobrenatural; é infinitamente superior a mera filantropia.

Entendendo isso, compreende-se por que o pecado mortal é tão nocivo ao homem. O pecado mortal é o pecado que faz o homem perder o estado de graça, isto é, de amizade com Deus, perdendo também a capacidade de realizar atos sobrenaturais e, portanto, de ganhar méritos diante de Deus.

O erro de Lutero, portanto, foi gravíssimo ao separar natureza e graça. Ele estava errado, pois a graça pressupõe a natureza, purifica-a e eleva-a à vida sobrenatural.

Podemos ir um pouco além neste assunto mistagógico. Quando estamos na vida natural, buscando o bem, nos esforçamos para adquirir as virtudes humanas, isto é, os bons hábitos (bons porque estão adequados e são benéficos a nossa natureza). Na vida sobrenatural, não temos somente esta realidade, mas o próprio Espírito Santo vem em nosso auxílio fornecendo-nos, através da graça, as virtudes infusas. Por serem infusas, os hábitos bons são sobrenaturalizados e passamos a praticar atos meritórios. As virtudes infusas, portanto, purificam a nossa natureza humana e também permite que nos aproximemos de Deus cada vez mais.

Em relação à aproximação com Deus, podemos ser chamados para a via unitiva. Nas virtudes infusas, Deus não retira a anuência de nossa própria vontade , ou seja, a graça ilumina nossa inteligência, aquece nossa vontade, mas, em última instância, para ser efetiva, é necessário a nossa colaboração. Contudo, Deus pode ainda chamar a alma para agir diretamente sobre ela, então se não fala mais de virtude infusa, mas de virtude heróica.

Nas virtudes infusas, nós não conseguimos distinguir se o ato foi natural ou sobrenatural, pois só Deus vê os corações (isto é, as motivações interiores). Mas na virtude heróica, fica claro que é Deus agindo, pois é quando a pessoa pratica atos que estão acima da capacidade humana.

Gosto de usar um exemplo de Santo Afonso para ilustrar o que é uma virtude heróica. Santo Afonso disse a um certo padre que futuramente, a 5 anos, apareceria uma pessoa no confessionário e contaria tal história. Não deveria acreditar, pois a história verdadeira seria outro. Pediu então que quando isso acontecesse, respondesse da seguinte maneira (…). E de fato, depois de 5 anos aconteceu tal como Santo Afonso havia previsto. Aqui Santo Afonso praticou um conselho heróico.

Naturalmente, o homem tem certa capacidade de previsão. Ele pode, por relações de causalidade, ter êxito em prever certos acontecimentos. Todavia, está fora de sua capacidade prever um acontecimento – aleatório – com uma antecedência de 5 anos. Nas ações heróicas, é como se o próprio Deus te pegasse no colo e te carregasse. Já na virtude infusa seria mais como Deus andando ao seu lado, segurando pela mão (você pode soltá-la para mudar o caminho).

Independente se será ou não chamado por Deus para a via unitiva ou se será abençoado com virtudes heróicas, a todo católico permanece o dever de zelar por sua vida sobrenatural, ou seja, permanecendo em estado de graça e, por consequência, praticando as boas obras.

Fazer um ato bom por amor a Humanidade, é o que se chama filantropia. A caridade é infinitamente superior, pois o ato bom é feito por amor a Deus.

Uma passagem bíblica ajuda a ilustrar essa realidade. Diante das gordas ofertas dos fariseus, uma humilde senhora ofertou dois centavos (que era tudo o que ela tinha). Jesus, porém, disse que a oferta da senhora foi muito mais agradável a Deus. De fato, a senhora não ofertou por causa da lei ou por causa de obrigação humana ou para causar boa impressão exterior, mas por amor e confiança em Deus. Já os fariseus, como bem mostra a Bíblia, eram sepulcro caiados: preocupavam-se com o exterior, mas estavam podres por dentro.

Sendo assim, se porventura quiserem doar para o Instituto Santo Atanásio, façam essa boa ação tendo o amor a Deus como princípio, pois assim o ato será meritório a Deus. Hehe.

Estou expondo tudo isso para mostrar como a nossa visão é muito diferente da luterana. Lutero jogou fora a vida sobrenatural, que é justamente o que nós temos de melhor, razão pela qual o Evangelho é a Boa Nova.

Acredito que agora ficará mais claro o trecho lido anteriormente, relerei:

Com a revelação cristã o problema da pessoa transfigurou-se para receber uma solução maravilhosa, digna do primeiro Amor. O surto ilimitado para o Infinito, que constitui a pessoa, na primeira fonte de sua dignidade e na raiz de sua nobre inquietude, encontrou na generosidade gratuita do dom divino a sua resposta inefável. A Bondade infinita [Deus] desceu até ao homem e ofereceu-lhe com a “graça” a participação misteriosa de sua vida divina (p. 176)

Ou seja, com o cristianismo a dignidade humana foi elevada, por quê? Ora, a fé nos diz: o fim do homem agora não está restrito à realidade terrena; o fim último do homem passa a ser o céu, ou seja, a felicidade eterna, onde contemplará Deus face a face.

A graça pressupõe a natureza. Então a dignidade humana continua se sustentando no fato do homem subsistir em si mesmo, ter inteligência e vontade. Todavia, há um novo elemento, o mais importante: Deus atua na alma humana (graça) para levá-la ao céu!

Diante de tão belo convite divino. A liberdade humana vê-se diante de um drama. Ela pode recusar ou aceitar este convite.

Sobre a atitude de recusa, diz o Padre Leonel Franca:

Em vez de abrir-se ao infinito da verdade e do bem pode o homem cerrar-se nos limites de um egoísmo estreito e estéril. Pretendendo levar a autonomia às raias de uma independência absoluta chega a menosprezar as exigências da verdade e os imperativos do dever. Objetos e pessoa são indiscriminadamente transformados em simples riquezas a serviço incondicionado dos próprios desejos. A satisfação do eu arvora-se em critério supremo que lhes confere utilidade e regula o uso. Mas procurar o prazer, o poderio, o conforto é pôr o próprio fim nas coisas ou no gozo efêmero das coisas, é decair miseravelmente da dignidade espiritual (p. 177).

O que faz o homem recusar um convite divino tão bom? É o orgulho. Ele afeta sobretudo as nossas faculdades superiores. A inteligência deixa de ser voltada para Deus. Se na vida cristã, em resumo, nós perguntamos a Deus, pela oração, o que Ele quer que façamos, pedindo a graça para que possamos realizar as obras que Ele deseja de nós, o orgulhoso, por outro lado, quer que as coisas girem em torno de si. O outro não será visto como irmão ou como um fim em si mesmo, mas como mero objeto ou instrumento para satisfazer seus desejos e caprichos. Agirá segundo o que acha que é o certo, sendo ele próprio o critério de discernimento.

A consequência inevitável de quem recusa o convite divino para a vida sobrenatural é a infelicidade, porque ele depositará sua felicidade nas coisas corruptíveis ou no gozo efêmero que essas coisas podem proporcionar. Algo que é meramente passageiro. Sua vida então se tornará um carrossel de excitação e frustração, tornando-se incapaz de ordenar as coisas para os devidos fins. No fim, ao homem orgulhoso faltará a hierarquia interior, ou seja, ele não vai saber direito para que ele quer as coisas, não terá grandes projetos de vida, não irá querer se sacrificar para conseguir bens superiores… Em suma, ficará fechado em atitude de egoísmo.

Mas se a recusa é uma atitude, a outra é de abertura ao convite divino. Abertura esta que é caracterizada pelo dom de si. E aqui lerei um trecho que eu considero um dos mais belos do livro:

A pessoa procura pessoa. Mas uma pessoa não se orienta para outra senão por um ato de amor. Entre coisas, uma relação de utilidade pode subordinar integralmente uma à outra. Um espírito não se ordena a outro espírito senão por um dom livre de si mesmo, que, sem o destruir, o aperfeiçoa. Não há, pois, solução para o problema do homem senão no dom de si mesmo ao Infinito. Este amor é extático, transformador e unitivo; faz-nos sair de nós mesmos para unirmo-nos de maneira inefável à Fonte do ser e de todo o enriquecimento no ser (p. 178)

Pessoa procura pessoa. A frase é tão simples quanto profunda e bela. Por quê? Há quem prefira conversar com cachorros, dizem que preferem bicho a gente, porém, o cachorro é desprovido de inteligência. Somente outra pessoa é capaz de me escutar e compreender. Somente entre pessoas é possível haver uma relação de amor.

Na relação entre uma pessoa e uma coisa, a relação é meramente de utilidade, pensarei em como vou usar tal coisa para o meu próprio bem (ex: vou usar o copo para colocar água e saciar minha sede). Muito diferente é a relação de um espírito (refere-se às faculdades superiores) com outro espírito. Na ordenação desta relação, o que está em vigor é a doação de si que permite o aperfeiçoamento da outra pessoa. Eis o que é o amor. Em linguagem católica, seria a doação de si para ajudar a outra pessoa a se tornar mais santa!

Porém, de onde iremos retirar as forças para a prática deste amor? Da graça de Deus, que é a Fonte de todo o amor. Recebemos a graça de Deus para praticar as boas obras, isto é, os atos de amor de caridade.

Todo progresso na graça é um progresso na expansão e no enriquecimento da pessoa. Condicionado, sem dúvida, por sacrifícios e renúncias dolorosas, o dom de si é a realização integral de si. Amar a Deus (…) é a razão essencial do homem e sua felicidade suprema (p. 179)

Mais do que no fato da dignidade humana residir de sua natureza racional – possuidor de individualidade, inteligência e vontade – está no fato de que Deus ama os homens. Em linguagem bíblica, é dizer que o homem é imagem e semelhança de Deus. A razão humana iluminada pela fé eleva à dignidade humana, porque considera além dos aspectos naturais, a relação que podemos ter com Deus.

Para encerrar, vamos tecer comentários sobre a decadência da dignidade humana causada pela teologia luterana. Ao separar a natureza da graça, Lutero desprezou toda a vida sobrenatural. Esta ordem sobrenatural atua, pela graça, sobretudo nas faculdades superiores do homem, mas Lutero retirou a fé da razão para colocá-la em um sentimento de confiança, rebaixando o homem à atenção às faculdades inferiores. Ora, mas se tem uma dimensão que é instável na vida humana, são os sentimentos. Por isso não podemos esquecer que o critério de veracidade está na inteligência, na razão humana, não nos sentimentos. A razão deve julgar os sentimentos para saber se estão ordenados ou não ao bem, não o inverso, tal como fez Lutero. E ao fazê-lo, não só retirou o que o homem pode ter de melhor nesta vida (a vida sobrenatural, o estado de graça com Deus), mas também inverteu o critério de julgamento, a ponto do homem moderno não saber hoje em que consiste a sua dignidade.

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Augusto Pola Júnior

Augusto Pola Júnior

Vice-presidente do Instituto Santo Atanásio, seu maior interesse de estudo é psicologia (em especial a tomista) e espiritualidade. Possui especialização em Logoterapia e Análise Existencial e em Aconselhamento e Orientação Espiritual.
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