Muito católicos gostam de repetir esta máxima de Santa Teresa de Ávila: A imaginação é a louca da casa. De fato, a disciplina da imaginação para o crescimento na vida espiritual é imprescindível, pois, como todo mundo sabe, se por um lado a imaginação pode enriquecer nossa vida pela criatividade, por outro, pode criar mundos ilusórios.
A imaginação é um sentido interior da alma humana, ela armazena as imagens que são captadas pelos sentidos externos e pode, no caso humano (pelo influxo de sua alma racional), mediante imagens já captadas, criar imagens fantasiosas, juntando, por exemplo, o cavalo com o homem para resultar num Minotauro. Este sentido interior é uma potência inferior da alma humana; inferior porque deve ser regulada por uma potência superior, que neste caso é a inteligência, cujo objeto é a verdade.
Podemos dizer que a imaginação é a louca da casa (da alma, pois), porque enquanto não estivermos repousados na verdade, a imaginação tenderá a completar o que não se conhece por algo ilusório, fazendo com que a alma possa ser levada facilmente ao engano.
Também pode ser a louca da casa não porque elaborou imagens ilusórias, mas porque, agora usando mais da memória e da cogitativa (outros dois sentidos internos), começa a elaborar uma sequência de imagens que induzirá nosso raciocínio a elaborar uma opinião errônea, gerando um juízo temerário, o qual, com não muito mais energia, poderá resultar no grave pecado da maledicência [ver São Francisco de Sales].
É que entre as potências inferiores e superiores há uma via de mão dupla. Como dissemos, as superiores devem governar as inferiores, mas isso não é feito de modo despótico, senão diplomático. Um mau sequenciamento de imagens pode induzir juízos temerários e, no sentido contrário, certos juízos podem excitar a imaginação. O maestro do ordenamento da alma, contudo, é a inteligência.
E como fazer para que a inteligência possa reger adequadamente a orquestra da imaginação? Um primeiro exercício, de modo a criar hábito, a ser feito é justamente separar o que é fantasia do que é fato real. Afinal, como dissemos, de um fato real pode-se facilmente elaborar uma narrativa fantasiosa de modo a prejudicar a reputação do próximo.
Outro exercício é a vigilância, no sentido de auto-análise das tendências de nossos gostos, uma vez que temos inclinação natural a fazer bom juízo daquilo que gostamos, facilmente diminuindo a gravidade do erro cometido (passando pano) ou aumentando exageradamente o mérito (bajulação) de quem gostamos e, inversamente, aumentando a gravidade do erro cometido e exagerando na condenação de quem não gostamos [ver São Francisco de Sales].
Exercitando nisso e criando hábito, vamos refinando nossos juízos e impedindo que a imaginação faça de nossa alma uma casa de loucuras e detrações.
Como se trata de algo que é mais fácil falar do que praticar, vamos aos exemplos (reais e recentes) a fim de mostrar como não é tão simples quanto parece.
Fato: Sedevacantes, incluindo seu bispo, estiveram presentes na III Liga Cristo Rei Sul.
Imaginação: Convidaram os sedevacantes, logo estão flertando com os sedevacantistas.
Problema: Juízo Temerário
Fato: Neste mesmo evento, os sedevacantes estiveram presente na palestra do Pedro Affonseca, presidente do Centro Dom Bosco, e este falou da possibilidade de diálogo e união. Depois houve uma foto, fora do evento, do mesmo Pedro bebendo chopp e conversando com alguns sedevacantes.
Imaginação: A Liga Cristo Rei é amiga e/ou considera legítima a opção sedevacante.
Problema: Salto lógico.
Houve ainda um grupo tridentino-guarapuavitano que, diante de fotos do evento, colocando nos stories uma foto da palestra do Pedro com os sedevacantes assistindo, outra com o bispo sedevacante circulando tranquilamente pelo evento, e um comentário observando que eles não ficaram para a palestra seguinte, que foi a do Padre Gabriel Villa Verde (que para a régua de muitos católicos tradicionalistas – não sei se é o caso desse grupo – seria um padre modernista), imputaram aos organizadores do evento o pecado de escândalo, como se estivessem dando apoio à doutrina sedevacante. Ao que parece, faltou a vigilância da qual falamos; na ânsia de criticar, esqueceram do bom senso, a cogitativa falhou, pois não se atentaram (ou desconheciam) o fato de que não houve palestra sedevacantista, mas houve palestra de um padre que, para muitos, é “neocon”. Felizmente, após breve mensagem, os stories foram deletados; um simples lapso de impulsividade e precipitação, mas não de obstinação.
Outra pessoa, ao ver um vídeo com o bispo biônico fazendo críticas ao evento, ataca de moralista (no sentido de conselheiro moral). Que servisse de lição para que os organizadores da Liga Cristo Rei aprendessem que o diálogo e o respeito humano [!?] para com os sedevacantes não farão com que deixem tecer críticas. A intenção parece que foi boa, mas a conclusão do conselho exigiria que premissas lógicas e os pressupostos considerados para que se chegasse a tal conclusão fossem explicitados e esclarecidos. Do ponto de vista psicológico (para elencar apenas um ponto dos muitos possíveis), geralmente é um problema de susceptibilidade a reação exagerada diante de uma crítica.
Enfim, não é a intenção deste artigo esclarecer os mal-entendidos produzidos por causa da louca da casa diante das informações fragmentadas que saíram sobre um evento (houve muitos outros), mas simplesmente usá-los como exemplos para mostrar como a imaginação descontrolada pode prejudicar a vida espiritual produzindo mentiras, juízos parciais, juízos temerários, maledicência, precipitação, etc. É difícil conter a imaginação, mas faz bem notar que muito dessa futricagem que foi produzida poderia ser evitada se, simplesmente, se buscasse o cronograma de palestras do evento (o aspecto principal do evento, não a presença secundária de [insira qualquer rótulo aqui]) e, em caso de dúvida, se fizesse questionamento aos organizadores. Em síntese católica, se tivesse tido um pouco mais de caridade para lidar com as informações.
Mas nem tudo está perdido. Houve quem, resistindo à tentação de ceder à celeuma escândalo-maledicente-conspiratória, buscou esclarecimento junto aos envolvidos. Vigiou, segurou o freio, colheu informações faltantes, e não deu brecha para a própria imaginação enlouquecer a casa.
A imaginação é a louca da casa, dizia Santa Teresa de Ávila, e minha falecida avó, por sua vez, dizia que não se deve bater palma para louco dançar. Fica, portanto, este humilde conselho: cuidado com vossas imaginações.