Vivemos em tempos nos quais a sociedade está cada vez mais afastada da fé, principalmente da verdadeira fé, aquela fé que conduz e ordena as almas ao excelso paraíso prometido por Deus. A história nos mostra que o homem constantemente abandonou o seu caminho natural para buscar prazeres, sensações e experiências autodestrutivas que, muitas vezes, nem os animais – que não são dotados da razão – são capazes de realizar.
Desde a criação, o homem teve impressa em sua consciência a lei natural, dádiva dada por Deus, que lhe deu a condição de saber de forma racional o que é certo e o que é errado. No entanto, embora naturalmente ordenado para a transcendência, o homem sempre foi limitado pela insuficiência da sua razão no que concerne ao conhecimento das profundezas dos mistérios divinos. Assim, desejando facilitar o reto percurso do seu caminho natural, Deus deu ao homem as Divinas Revelações, já antes mesmo de mandar o seu Filho para redimir a humanidade de seus pecados.
Com a Vinda de Cristo, o homem ganhou o maior presente que se poderia ter: conhecer o Filho de Deus, aprender com Ele e, por amor de seu Pai, ganhar a remissão dos pecados mediante a entrega de seu próprio Filho para morrer na Cruz, bem como o direito ao paraíso que foi perdido pela nossa queda e o mais importante: o Espírito Santo para conduzir a Santa Madre Igreja e aperfeiçoar a natureza humana através da graça santificante.
A Igreja recebeu do Próprio Filho de Deus a obrigação de direcionar, dar auxilio e o alimento espiritual e sacramental aos homens, ou seja, seu principal papel é promover a transcendência das almas para que, ordenados espiritualmente, possam assim estabelecer e aperfeiçoar a sua vida no âmbito natural. Para que a Igreja pudesse realizar o seu papel de forma esplêndida durante toda a sua história, os seus membros desde o mais alto escalão como, por exemplo, o Santo Padre, até o menor dos seus leigos, buscaram olhar profundamente para a vida de Cristo, o seu Evangelho e a perfeita imitação de sua passagem aqui na terra.
O grande Dom João Batista Chautard diz que: “os homens chamados à honra de colaborar com o Salvador em transmitir às almas essa vida divina devem, portanto, considerar-se como modestos canais encarregados de haurir tal vida nessa fonte única.” Seria um erro teológico terrível imaginar que um homem que não conhece estes princípios poderia ser um bom apóstolo, pelo contrário, além de não produzir frutos, traria prejuízos gigantes a outras almas que podem cair no imanentismo juntamente com ele. O Cardeal Mermillod qualifica que o único princípio de vida das obras de apostolado é o próprio Jesus Cristo, e quando este protagonismo do Senhor não é testemunhado, ele adverte que se cai na chamada “heresia das obras” e considera como aberração um apóstolo que coloca o bom êxito das obras não como dependente do auxílio de Deus, mas nas suas próprias atividades pessoais e seus talentos.
O apóstolo, para desempenhar bem seu papel, precisa conhecer bem o seu Mestre, estar imerso n’Ele, ter uma sintonia interior com Ele de uma forma que reproduza as palavras de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim”. Mas o que realmente tem acontecido? Porque os apostolados e “pastorais” de hoje estão tão vazios de espiritualidade, embora muitas vezes cheios de pessoas?
O grande intelectual católico Alberto Caturelli conseguiu enxergar bem um grande mal que vem aos poucos eliminando a transcendência dos apostolados e de todo o corpo da Santa Igreja: a secularização. Não é segredo algum que hoje muitos apostolados e “pastorais” estão sendo liderados por pessoas que não conhecem os princípios de um apóstolo; muitos vivem inclusive de forma contraditória com a função que exercem na Igreja; por exemplo, não é difícil encontrar pastorais da família lideradas por pessoas que não são abertas à vida e, muitas vezes, chegamos a ter conhecimento de situações extremas em que estes lideres vivem inclusive em uniões pecaminosas. É impossível um apostolado que tenha problemas como esse consiga dar frutos bons; antes, seria melhor até que não existisse, pois exemplos como este tornam-se um fosso para boas almas caírem.
Esta secularização que Caturelli expõe é nada mais, nada menos, que a infiltração do pecado e do mundo na Igreja e nos seus apostolados, uma aceitação do “espírito do mundo”. No entanto, precisamos deixar claro que, ao buscar esta conciliação, o homem está aos poucos abandonando o “Espírito de Deus” e toda a sua transcendência. Como temos visto, é salutar afirmar que já existe uma completa imanência e adesão ao naturalismo e o “espirito do mundo” influenciando grande parte dos apostolados e da Santa Igreja. Acreditar que se pode salvar o mundo ou até mesmo as almas com suas próprias forças é o oposto do que o cristianismo sempre ensinou e, usando a famosa comparação de Santo Agostinho, equivale a abandonar a “Cidade de Deus” para aderir à “cidade dos homens”.
A situação é tão extrema que existem apostolados dentro do seio da Santa Igreja que sequer falam de Jesus Cristo ou nem mesmo se apresentam como apostolados católicos. Não há como não chamar estes movimentos de estéreis, pois, se não se apresenta Cristo, já não é um apostolado caritativo e não passa de uma associação filantrópica, que aliás, podemos classificar como uma completa secularização e usurpação do princípio sagrado da caridade com os irmãos em Cristo, ensinado tradicionalmente pelo magistério da Igreja.
Existem inúmeras desculpas como “não podemos falar de Cristo para não assustar”, ou “é melhor ajudar a matar a fome do irmão”, ou até mesmo a de que “precisamos, antes de apresentar a fé para salvar a alma, socorrer às necessidades do corpo”. Em determinadas situações, não discordo, mas, e quando são os próprios líderes dos apostolados que não conhecem a fé? Será mesmo que desempenham um verdadeiro apostolado ou uma mera filantropia?
É fato que, muitas vezes, é mais fácil chegar até certos lugares e pessoas de forma mais sutil, mais vagarosa e com mais cuidado ao expor o ensinamento de Cristo com palavras. Aliás, o grande exemplo pode ser dado com o testemunho e o amor através dos gestos e atos. Porém, mesmo assim, é fundamental o apóstolo estar repleto do Cristo, agir por amor a Cristo e imitá-lo da melhor forma possível, como disse São Francisco de Assis: “Evangelize, se necessário use palavras.”
O fruto do apostolado só poderá ser bom se houver anteriormente uma fecundidade espiritual na vida interior de seus líderes. É totalmente árido e vazio, um apóstolo que não comece, antes de mais nada, pela vida de oração, no aprofundamento espiritual, na busca pelos sacramentos e pela santidade, na intensa observância das práticas de agradem a Deus e na fuga constante de tudo que desagrade ao Senhor. É fundamental que o apóstolo seja a semelhança mais próxima de seu Mestre, ou seja, se disponha a viver para o próprio Cristo.
O verdadeiro apóstolo tem e terá sempre como centro das suas atividades o Próprio Cristo; deve refletir a sua imagem de forma que todos aqueles que se aproximem dele vejam algo que está além das barreiras naturais do homem, que seu semblante e suas ações levem até mesmo os incrédulos a verem o Cristo presente na sua alma.