No último dia 16, reuniram-se em Milão para celebrar uma jornada de estudos os representantes das principais obediências maçônicas italianas e alguns prestigiosos prelados católicos. O seminário, organizado pela fundação Ambrosianum dal Gris (grupo de pesquisa e informação sociorreligiosa), contou com a presença de três grandes mestres da Maçonaria italiana: Stefano Bisi, do Grande Oriente de Itália, Luciano Romoli, da Grande Loja da Itália dos ALAM (GLDI), e Favio Venzi (por conferência), da Grande Loja Regular de Italia (GLRI). Pelo lado católico, participaram o arcebispo de Milão, Mario Delpini, o cardeal Francesco Cocopalmerio, ex-presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, o teólogo franciscano Zbigniew Suchecki e o bispo Antonio Staglianò, presidente da Pontifícia Academia de Teologia. Dom Delpino pronunciou o discurso de abertura, e o cardeal Cocopalmerio o de encerramento. A reunião aconteceu à porta fechada, mas a relevância dos participantes fez com que aparecesse o conteúdo, que primeiramente veio à luz por Ricardos Casciolo na La nuova bussola quotidiana do último dia 19.
No dia 20, o portal do Grande Oriente de Itália publicou por sua vez o texto integral do grande mestre Bisi, que há dez anos dirige a principal organização maçônica italiana: “Ao longo de seus mais de 300 anos de vida, nenhuma instituição foi tão vilipendiada, combatida, falseada, difamada e temida como a Maçonaria Livre Universal”, declarou Bisi, criticando por isso à Igreja Católica, “que encontrou na Maçonaria uma potencial competência na espiritualização e elevação do homem”. Bisi descreveu-se no tinteiro, pois foi precisamente a Maçonaria a que nos últimos três séculos vilipendiou, combateu, falseou e difamou à Igreja.
“Por que a loja maçônica é bela, e por que não agrada às autoridades eclesiásticas?”, perguntou Bisi: “Porque sob o mesmo céu – que representa a Criação – todos os homens são irmãos entre si, independentemente do laços que os una na fé. Basta crer no Grande Arquiteto do Universo. O firmamento estrelado é igual para o budista, para o católico, para o valdense ou para o muçulmano; todos os que creem em um Ser Supremo (…). As verdades absolutas e os muros da mente não nos pertencem, e afirmamos que é preciso derrubá-los”. Para Bisi, que teve a desfaçatez de pedir ao Papa que organize uma concentração ante a estátua do herege e apóstata Giordano Bruno, entre as verdades que é preciso dar fim está a Fé Católica, que se apresenta como absoluta e universal. O desejo de Bisi de que “se declare que é possível ao mesmo tempo ser membro de uma loja maçônica e professar a Fé Católica” não é outra coisa senão solicitar à Igreja que renuncie a sua doutrina e que comece a fazer parte do panteão maçônico, gnóstico e relativista. Além disso, que o Grande Mestre tenha recordado os nomes dos cardeais Ravasi e Martini como patronos corrobora esta impressão.
Bisi recordou que o cardeal Martini se sentia em casa nos ambientes maçônicos, e elogiou o famoso artigo Queridos irmãos maçônicos de Dom Ravasi que apareceu em Il Sole24Ore em 14 de fevereiro de 2016. Dizem que o cardeal Cocopalmerio queria levar adiante a pioneira obra dos ditos prelados, pois, entre outras coisas, afirmou no seminário de Milão o seguinte: “Há cinquenta anos não se sabia tanto, mas se avançou e espero que este encontro não seja o último. Me pergunto se não se poderia pensar em uma comissão permanente, inclusive a nível de autoridades, para dialogar melhor”.
Por sua vez, o arcebispo Staglianò criticou o documento de 13 de novembro de 2023 do Dicastério para a Doutrina da Fé assinado por Victor Manuel Fernández e aprovado ex audientia pelo Papa Francisco que proíbe aos católicos aderirem às lojas maçônicas “dada a impossibilidade de conciliar a doutrina católica e a maçônica”. O referido documento ratifica a plurisecular condenação da Igreja, que, ao que parece, só foi mencionada durante o seminário pelo P. Zbigniew Sucjecki. Mas será necessário esperar a publicação de todas as participações para emitir um juízo preciso de como foi o encontro.
O sabemos com certeza é que, segundo a Grande Loja de Itália dos ALAM (Antigos Maçons Livres e Aceitos), o encontro “culminou em um consenso unânime sobre a oportunidade de criar uma comissão permanente de debate”.
Vale a pena recordar a este respeito que o relativismo constitui a alma da Maçonaria, embora não abarque toda sua essência. De fato, a Maçonaria presume ser uma religião universal depositária de um segredo que os maçons vão tomando consciência pouco a pouco por meio de ritos, símbolos e textos que assimilam, bem como com o ambiente que é respirado nas lojas às quais pertencem.
Deve-se acrescentar que não existe uma maçonaria má, ateia e anticlerical e outra religiosa e espiritual como se ouve repetir com tanta frequência em relação à distinção entre a Maçonaria latina (de esquerda) e a angloamericana (de direita). Na realidade, todas as lojas, depois dos primeiros graus de iniciação, têm outros sistemas de altos graus caracterizados por um conteúdo mágico e cabalístico. Não são todos os afiliados à Maçonaria que conhecem seus fins últimos, os quais não aprendem até terem sido iniciados nos graus mais altos e que, sob pena de morte, juram não revelar. Por trás dos diversos ritos e obediências, existe uma mesma cosmovisão que se opõe diametralmente à da Igreja Católica. Os estudos de Jean-Claude Lozac’hmeur sobre as origens ocultas da Maçonaria demonstram que esta herda sua fé e costumes do gnosticismo (Fils de la veuve: essai sur le symbolisme maçonnique, Éditions Sainte Jeanne d’Arc, Chiré 1990), e o padre Paolo Siano dedicou profundos estudos ao luciferismo maçônico, refutando desse modo as teses que afirmam que este é apenas cultivado por maçonarias marginais e é estranho à Maçonaria regular (Studi vari sulla Libera Muratoria, Casa Mariana Editrice, Frigento 2012). O mesmo padre Siano, que dedicou à Maçonaria, inclusive ultimamente, muitos trabalhos em Corrispondenza Romana, em um debate cortês com Gaetano Masciullo, autor de La tiara e la loggia. La Massoneria contro la Chiesa (Fede e Cultura, Verona 2023), demonstrou que a Maçonaria não está em decadência, mas muito pelo contrário, está viva e ativa.
O perigo está em distrair a atenção da Maçonaria para aderir a formas e neocomplotismo que denunciam a ação de elites plutocráticas e de conspirações de vários tipos, esquecendo a presença daquela que Leão XIII qualificou em sua carta Custodi di quella fede de 8 de dezembro de 1892 de “seita que ao fim de dezenove séculos de civilização cristã se esforça para derrubar a Igreja Católica”. Se a Maçonaria já não constitui uma ameaça, até os encontros como o de Milão encontram a sua razão de ser.
Fonte: Roberto de Mattei